segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Vá se foder, Scott.

O clima estava pesado. A onda tensa era quase tangível no ar gelado daquela tarde. Eu estava mais que tensa e nervosa, e a beira de um ataque de nervos. Eu estava dilacerada e se eu relaxasse um pouco os vincos de preocupação apareceriam. Mas eu não queria que eles viessem. Não queria deixar nossa conversa monótona mais difícil que já estava sendo. E esse cuidado me arruinava mais ainda.

Ele estava tão perto, aquele rosto, aquela boca encurvada. E eu sabia que por trás daquelas olheiras fundas, por trás daquela expressão amarga ainda existia aquele rosto gentil, gracioso e afável que era o meu Scott.
Era muito perturbador aquele silêncio. Aquele vínculo cortado. Lembro dos nossos dias. Dias que a nossa amizade esteve no auge, esteve colorida e leve. Deixei que meus pensamentos vagassem um pouco.


Scott estava sentadona raiz de uma árvore. Seus braços pousavam nos joelhos e ele balançava a cabeça num ritmo desajeitado. Era difícil saber quando ele realmente estava ali ou quando estava vagando. A verdade que ele nunca estava inteiramente num lugar só e nunca vagava. Ele simplesmente era Scott. Seus olhos azuis eram inquietos e passeavam pelas formas das árvores do bosque.
-Scott, e as HQ’s que você disse que me traria?
-Ah, Sunny, você precisa me lembrar de trazer.
-Anta.
-Pônei.
Apontei a língua para ele. Talvez eu tenha ruborizado um pouco. Ele me deu um empurrão no ombro e eu quase tombei de lado. Eu me sentia uma criança com ele, me sentia feliz. Era fácil as coisas com Scott, até.
O vento soprou de leve, levantando as folhas caídas no chão. O sol brilhava forte no céu e uma brisa deixava o tempo agradável. E sinceramente, qualquer dia com Scott poderia ser bonito. O seu sorriso era como um arco íris minando minha vida de alegria. Ele era tão singular, com seu jeito atrapalhado de piscar enquanto falava. Eu gostava de cuidar seus trejeitos enquanto gesticulava. Eu poderia passar o dia inteiro todo com ele, apenas o encarando. Claro que meus braços coçariam com vontade de correr e abraçá-lo com força.


E agora ali estava ele. Transformado em algo que eu não reconhecia. Fico me perguntando quando é que eu perdi meu amigo. Quando percebi que ele era o meu melhor amigo e não o namorado ideal? Quando comecei a namorar com outro garoto? Quando transformei Scott no maior motivo pra sorrir? Talvez a pergunta certa seja: quem tirou um melhor amigo de mim. Amber ainda se parece uma boa opção.
Mas o que importa é o efeito: Scott nunca mais fora o mesmo comigo e agora a única coisa que me restava eram memórias e umas ironias incrustadas em sua voz áspera. Ele não era o meu Scott. Não era doce. Não era ele. Sinceramente, aos meus olhos era alguém tentando ser algo totalmente diferente. Eu o perdera. Perdera meu melhor amigo. Justo aquele que eu jurei que nunca me separaria...
Eu precisava me livrar daquela situação. Daquele silêncio que me assolava. Eu precisava achar um jeito de esquecer que aquilo em que Scott se transformara existia e manter apenas as boas lembranças. Mas eu não podia simplesmente dizer “tchau”. Não, não podia. Ele precisava entender que eu estaria esperando todos os dias que ele voltasse com aquele velho sorriso.
Finalmente decidi verbalizar o que já estava óbvio.
-Scott, as coisas mudaram.
Sua face de pedra não mudou. Os mesmos olhos de desdém.
-E?
Respirei fundo. Eu continuaria, não importa o quão ridículo fosse.
-Scott... Não somos mais os mesmo amigos. Esse silencio... Nada disso faz...fazia parte de nós. – ele me encarava e isso foi pavoroso, porque antigamente ele não costumava encarar as pessoas enquanto elas falavam ou enquanto ele próprio falava. – Bem, acho que não precisamos continuar fingin... forçando isso. É melhor eu ir embora, mas ... – nessa hora que pude jurar ter visto alguma emoção passar de relança sobre seu rosto de pedra. Mas foi rápido demais. Eu pude jurar que era dor. Mas não, eu não me apegaria em nenhuma esperança vã. -... mas eu vou esperar por você. Scott, você sabe que eu não mudei, que ainda sou a sua Sunny Sunny – as lágrimas vieram, cruéis, mas elas até estavam um pouco atrasadas – e que quando você mudar de idéia, quando precisar ou quando simplesmente der vontade de falar com alguém, vou estar te esperando. – um soluço rasgou minha garganta, pisoteando-me mais ainda – Tchau, Scott Scott.
-Tchau, Sunny.
Então eu saí, sem conseguir evitar olhar para trás e vê-lo novamente. Aquele garoto comprido sentado sobre as raízes das árvores. Aquela sua expressão rude que não cabia à suas feições gentis. Saí, deixando gravado seu último vislumbre. Mais uma vez, jurei ter visto um pouco de dor. Mas eu não poderia guardar esse relance, só para depois ficar martelando e me perguntando se havia sido a atitude certa.
Scott ficou lá, imóvel. Não parecia nem um pouco afetado. Meu melhor amigo ficando para trás. Longe, murmurei baixinho para mim mesma.
-Vá se foder, Scott.



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P.S.: Você perguntou se havia um texto para você. Pois aqui um bom texto muito bom pra você. E ah, gostou de Scott?

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